quarta-feira, 24 de março de 2010

"O objectivo principal da criação de imagens e formas é a materialização do homem."

DONDIS, Donis A. A sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1991


Não sei o que hei-de escrever. Estou farta de coisas vazias e sem sentido, cópias de cópias. O objectivo principal da criação de imagens e formas é a materialização do homem, quero-me materializar. Quem não quer?
Quero agarrar um momento que foge, e que mais é a vida, toda a arte, a escrita, a música, o design, que não um tentar agarrar um instante, um cheiro, uma brisa que passou e foi diferente de todas as outras? Tentar desesperadamente captar o sentimento que aquela música traz, e tentar levá-la a outros? Que mais será a arte do que tentar levar o que é nosso a algum sítio, um sítio longe, para fora de nós? É verdade que se cria mais para nós próprios do que para os outros, e não poderia ser de outra forma. Mas o que seria de nós sem os outros, sem a ideia da partilha, da comunicação? O que seria de nós se os outros não pudessem, ainda que hipoteticamente, ainda que nunca fora da gaveta, ver o que escrevemos, desenhamos, aquilo que remoemos baixinho quando não há mais ninguém? O que seria desses rascunhos mil vezes deitados fora sem a ideia da luz do dia? Existiriam realmente, alguma vez?
A materialização do homem faz-se, assim, para os outros. Para nós, para sentirmos que existimos realmente, pois se crio, existo. Se produzo, quem produz? Mas para os outros. Mesmo um texto aparentemente desconexo como este, tem toda uma intenção criadora, foi feito para ser lido, foi feito para ser lido por multidões. Pois o intuito de criar nunca é controlado, é megalómano, tem de ser, escapa-se do criador e escorre para os outros, sempre, descontroladamente. E se há obras produzidas com todo o rigor, regras, timings, também há as que brotam como flores silvestres, e não têm menos valor que as anteriores.

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